Vida nas cavernas.
A fumaça que brota do chão cobre a paisagem como nuvens. Terra seca e céu de azul forte. Montanhas que parecem tão sem vida escondem milhares de pequenas cavernas. E tem gente morando lá dentro. São como grandes edifícios de terra. As cavernas normalmente têm entre cinco e sete metros de comprimento. Espaço apertado que a praticidade dos chineses consegue multiplicar.
A casa toda funciona numa peça só: o fogão fica colado na cama, que é também um sofá onde eles recebem as visitas, onde as pessoas se sentam para conversar e tomar um chá. O sistema interessante é que a fumaça desse fogão não sai direto por uma chaminé. Nem se vê a chaminé. Ela vai por tubulações serpenteando debaixo da cama, que é aquecida, deixa o ambiente quentinho e só depois vai para fora.
Cento e vinte milhões de chineses moram em cavernas no vale do Rio Amarelo. Na entrada das casas de portas semicirculares, panos coloridos cortam o vento e conservam o calor. Dona Wang Bin Xiang vive com o marido e passa os dias cuidando do netinho enquanto a filha e o genro trabalham.
A hospitalidade deles é incrível. Quanto mais pobre a família mais coisas eles oferecem. Para quem já teve tão pouco, a comida é um dádiva. Só nos anos 60, 30 milhões de chineses morreram de fome. Por isso, tudo é aproveitado. Até as cascas são guardadas para alimentar os animais. Dona Wang Bin Xiang mostra as mãos cortadas, cheias de calos, de uma vida inteira trabalhando na lavoura e cuidando da família.
Na China, os bebês não usam fraldas. Eles usam calças com um buraquinho. Então, quando precisam fazer xixi ou coco, eles já estão prontos. Se abaixam em qualquer lugar e ali mesmo resolvem o problema.
Medo do diferente. Dona Wang Bin Xiang conta que nunca tinha visto de perto uma pessoa com olhos claros e nem uma mulher com a minha altura.
Em cada andar da montanha, uma pequena fazenda. O povo das cavernas cria porcos, cabras, qualquer animal que possa ajudar na sobrevivência da família.
Nos anos 50, as cavernas eram feitas em massa. Um imenso condomínio daquela época, na universidade local, está sendo reformado e vai ser alojamento de estudantes. São prédios e continuam sendo cavernas.
Aquelas montanhas guardam muita história. Foram o ponto final da Grande Marcha – quando o exército comunista, liderado por Mao Tse Tung, atravessou a China fugindo das tropas do governo. Mao Tse Tung vivia e trabalhava numa caverna. Por causa dele, a cidade foi tão bombardeada pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial que pouca coisa histórica restou. Só a torre foi poupada porque era usada pelo inimigo como referência para encontrar a cidade.
No norte da China, durante o inverno, o sol nunca fica a pino. Ao meio-dia, parece o sol das 17h no Brasil. Na área de montanhas, perto da fronteira com o deserto, entendemos a força da expressão "um lugar ao sol". A face sul da montanha, que fica de frente para o sol, está sempre aquecida. Em compensação, a face norte, o lado escuro da montanha, passa meses sem receber um raio de sol. A neve que caíra havia uma semana ainda não tinha derretido.
No inverno, a temperatura pode chegar a -30ºC. Já no outono, o gelo ameaça as plantas. Mas um sistema simples, aproveitando a idéia das cavernas, está revolucionando a economia do lugar: estufas feitas com paredes grossas de barro de um lado e, de frente para o sol, uma cobertura de plástico. Esteiras de palha de trigo sobem de manhã, para deixar o calor entrar, e são abaixadas à noite para conservar a temperatura. Lá dentro, um clima quase tropical. Os tomates crescem bonitos e grandes.
Com financiamento do governo local, as famílias que conseguiram construir uma estufa vivem muito melhor: vendem no inverno culturas de verão e faturam o equivalente a R$ 2 mil por ano – o que, na China, dá o dobro do poder de compra do dinheiro no Brasil.
Essa revolução agrícola ajuda a prosperarem cidades como Yan'an, que por falta de espaço para crescer para os lados, sobe prédios e se espreme no vale do rio. A nova arquitetura convive com cavernas que ficaram, como um templo cavado nas montanhas, e hotéis em estilo caverna vão aparecendo nas encostas. Ao entrar na modernidade, o vale do Rio Amarelo tenta fazer de um jeito primitivo de viver uma atração turística.